Estudo d'O Livro dos Espíritos
No meu humilde entendimento, a alma do Espiritismo Cristão está toda representada no item 222 d'O Livro dos Espíritos, que transcrevo abaixo, tradução de Guillon Ribeiro, Editora FEB. É todo um capítulo e, ao contrários dos demais, que se compõem de diversas questões, Allan Kardec, de modo magistral, resume tudo o que há na ciência, na filosofia e na moral espírita que, infelizmente, por questões de disputa de poder, as igrejas cristãs ainda não resolveram divulgar, como revelação que confirma a promessa de Jesus em João, cap. 14:26: "Mas o Paráclito (ou Consolador), o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará tudo e vos recordará o que vos disse". O texto é longo, mas após lê-lo atentamente, você nunca mais deixará de refletir na proposta da Doutrina Espírita como a grande esperança, senão certeza, para a libertação da humanidade do jugo de todas as ideologias humanas, pois ela é fruto do ensinamento dos Espíritos, que a alma iluminada de Allan Kardec soube assimilar em toda a sua pureza.
Leia, releia, medite e, sem ideias preconcebidas, você estará diante da Verdade, que nada mais é do que a manifestação do Cristo de Deus o que se segue:
CAPÍTULO
V
Considerações
sobre a pluralidade das existências
222.
Não é novo, dizem alguns, o dogma da reencarnação; ressuscitaram-no da doutrina
de Pitágoras. Nunca dissemos ser de invenção moderna a Doutrina Espírita.
Constituindo uma Lei da Natureza, o Espiritismo há de ter existido desde a
origem dos tempos e sempre nos esforçamos por demonstrar que dele se descobrem sinais
na antiguidade mais remota. Pitágoras, como se sabe, não foi o autor do sistema
da metempsicose; ele o colheu dos filósofos indianos e dos egípcios, que o
tinham desde tempos imemoriais. A ideia da transmigração das almas formava,
pois, uma crença vulgar, aceita pelos homens mais eminentes. De que modo a
adquiriram? Por uma revelação ou por intuição? Ignoramo-lo. Seja, porém, como
for, o que não padece dúvida é que uma ideia não atravessa séculos e séculos,
nem consegue impor-se a inteligências de escol, se não contiver algo de sério.
Assim, a ancianidade desta Doutrina, em vez de ser uma objeção, seria prova a
seu favor. Contudo, entre a metempsicose dos antigos e a moderna doutrina da
reencarnação, há, como também se sabe, profunda diferença, assinalada pelo fato
de os Espíritos rejeitarem,
de
maneira absoluta, a transmigração da alma do homem para os animais e
reciprocamente.
Portanto,
ensinando o dogma da pluralidade das existências corporais, os Espíritos
renovam uma doutrina que teve origem nas primeiras idades do mundo e que se
conservou no íntimo de muitas pessoas, até os nossos dias. Simplesmente, eles a
apresentam de um ponto de vista mais racional, mais acorde com as leis
progressivas da Natureza e mais de conformidade com a sabedoria do Criador,
despindo-a de todos os acessórios da superstição. Circunstância digna de nota é
que não só neste livro os Espíritos a ensinaram no decurso dos últimos tempos:
já antes da sua publicação, numerosas comunicações da mesma natureza se
obtiveram em vários países, multiplicando-se depois, consideravelmente. Talvez
fosse aqui o caso de examinarmos por que os Espíritos não parecem todos de
acordo sobre esta questão. Mais tarde, porém, voltaremos a este assunto.
Examinemos
de outro ponto de vista a matéria e, abstraindo de qualquer intervenção dos
Espíritos, deixemo-los de lado, por enquanto. Suponhamos que esta teoria nada
tenha que ver com eles; suponhamos mesmo que jamais se haja cogitado de
Espíritos. Coloquemo-nos, momentaneamente, num terreno neutro, admitindo o
mesmo grau de probabilidade para ambas as hipóteses, isto é, a da pluralidade e
a da unicidade das existências corpóreas, e vejamos para que lado a razão e o
nosso próprio interesse nos farão pender.
Muitos
repelem a ideia da reencarnação pelo só motivo de ela não lhes convir. Dizem
que uma existência já lhes chega de sobra e que, portanto, não desejariam
recomeçar outra semelhante. De alguns sabemos que saltam em fúria só com o
pensarem que tenham de voltar à Terra. Perguntar-lhes-emos apenas se imaginam
que Deus lhes pediu o parecer, ou consultou os gostos, para regular o Universo.
Uma de duas: ou a reencarnação existe, ou não existe; se existe, nada importa
que os contrarie; terão que a sofrer, sem que para isso lhes peça Deus
permissão. Afiguram-se-nos os que assim falam um doente a dizer: Sofri hoje
bastante, não quero sofrer mais amanhã. Qualquer que seja o seu mau humor, não
terá por isso que sofrer menos no dia seguinte, nem nos que se sucederem, até
que se ache curado. Conseguintemente, se os que de tal maneira se externam
tiverem que viver de novo, corporalmente, tornarão a viver, reencarnarão. Nada
lhes adiantará rebelarem-se, quais crianças que não querem ir para o colégio,
ou condenados, para a prisão. Passarão pelo que têm de passar. São demasiado
pueris semelhantes objeções, para merecerem mais seriamente examinadas.
Diremos, todavia, aos que as formulam que se tranquilizem, que a Doutrina
Espírita, no tocante à reencarnação, não é tão terrível como a julgam; que, se
a houvessem estudado a fundo, não se mostrariam tão aterrorizados; saberiam que
deles dependem as condições da nova existência, que será feliz ou desgraçada,
conforme o que tiverem feito neste mundo; que desde agora poderão elevar-se
tão alto que a recaída no lodaçal não lhes seja mais de temer.
Supomos
dirigir-nos a pessoas que acreditam num futuro depois da morte e não aos que
criam para si a perspectiva do nada, ou pretendem que suas almas se vão afogar
num todo universal, onde perdem a individualidade, como os pingos da chuva no
oceano, o que vem a dar quase no mesmo. Ora, pois: se credes num futuro
qualquer, certo não admitis que ele seja idêntico para todos, porquanto, de
outro modo, qual a utilidade do bem? Por que haveria o homem de constranger-se?
Por que deixaria de satisfazer a todas as suas paixões, a todos os seus
desejos, embora à custa de outrem, uma vez que por isso não ficaria sendo
melhor, nem pior? Credes, ao contrário, que esse futuro será mais ou menos
ditoso ou inditoso, conforme o que houverdes feito durante a vida e então desejais
que seja tão afortunado quanto possível, visto que há de durar pela eternidade,
não? Mas, porventura, teríeis a pretensão de serdes dos homens mais perfeitos
que hajam existido na Terra e, pois, com direito a alcançardes de um salto a
suprema felicidade dos eleitos? Não. Admitis então que há homens de valor maior
do que o vosso e com direito a um lugar melhor, sem daí resultar que vos
conteis entre os réprobos. Pois bem! Colocai-vos mentalmente, por um instante,
nessa situação intermédia, que será a vossa, como acabastes de reconhecer, e
imaginai que alguém vos venha dizer: — Sofreis; não sois tão felizes quanto
poderíeis ser, ao passo que diante de vós estão seres que gozam de completa
ventura. Quereis mudar na deles a vossa posição? — Certamente — respondereis. —
Que devemos fazer? — quase nada: recomeçar o trabalho mal executado e
executá-lo melhor. Hesitaríeis em aceitar, ainda que a poder de muitas
existências de provações? Façamos outra comparação mais prosaica. Figuremos que
a um homem que, sem ter chegado à miséria extrema, sofre, no entanto,
privações, por escassez de recursos, viessem dizer: — Aqui está uma riqueza
imensa de que podes gozar; para isto, só é necessário que trabalhes arduamente
durante um minuto. Fosse ele o mais preguiçoso da Terra, que sem hesitar diria:
— Trabalhemos um minuto, dois minutos, uma hora, um dia, se for preciso. Que
importa isso, desde que me leve a acabar os meus dias na fartura? — Ora, que é
a duração da vida corpórea, em confronto com a eternidade? Menos que um minuto,
menos que um segundo.
Temos
visto algumas pessoas raciocinarem deste modo: Não é possível que Deus,
soberanamente bom como é, imponha ao homem a obrigação de recomeçar uma série
de misérias e tribulações. Acharão, porventura, essas pessoas que há mais
bondade em condenar Deus o homem a sofrer perpetuamente, por motivo de alguns
momentos de erro, do que em lhe facultar meios de reparar suas faltas?
“Dois
industriais contrataram dois operários, cada um dos quais podia aspirar a se
tornar sócio do respectivo patrão. Aconteceu que esses dois operários certa vez
empregaram muito mal o seu dia, merecendo ambos ser despedidos. Um dos
industriais, não obstante as súplicas do seu operário, o mandou embora e o
pobre operário, não tendo achado mais trabalho, acabou por morrer na miséria. O
outro industrial disse ao seu operário: Perdeste um dia; deves-me por isso uma
compensação. Executaste mal o teu trabalho; ficaste a me dever uma reparação.
Consinto que o recomeces. Trata de executá-lo bem, que te conservarei ao meu
serviço e poderás continuar aspirando à posição superior que te prometi.” Será
preciso perguntemos qual dos industriais foi mais humano? Dar-se-á que Deus,
que é a clemência mesma, seja mais inexorável do que um homem?
Alguma
coisa de pungente há na ideia de que a nossa sorte fique para sempre decidida,
por efeito de alguns anos de provações, ainda quando de nós não tenha dependido
o atingirmos a perfeição, ao passo que eminentemente consoladora é a ideia
oposta, que nos permite a esperança. Assim, sem nos pronunciarmos pró ou contra
a pluralidade das existências, sem preferirmos uma hipótese a outra, declaramos
que, se aos homens fosse dado escolher, ninguém quereria o julgamento sem
apelação. Disse um filósofo que, se Deus não existisse, fora mister inventá-lo,
para felicidade do gênero humano. Outro tanto se poderia dizer da pluralidade
das existências. Mas, conforme anteriormente ponderamos, Deus não nos pede
permissão, nem consulta os nossos gostos. Ou isto é, ou não é. Vejamos de que
lado estão as probabilidades e encaremos de outro ponto de vista o assunto,
unicamente como estudo filosófico, sempre abstraindo do ensino dos Espíritos.
Se
não há reencarnação, só há, evidentemente, uma existência corporal. Se a nossa
atual existência corpórea é única, a alma de cada homem foi criada por ocasião
do seu nascimento, a menos que se admita a anterioridade da alma, caso em que
caberia perguntar o que era ela antes do nascimento e se o estado em que se
achava não constituía uma existência sob forma qualquer. Não há meio termo: ou
a alma existia, ou não existia antes do corpo.
Se
existia, qual a sua situação? Tinha, ou não, consciência de si mesma? Se não
tinha, é quase como se não existisse. Se tinha individualidade, era
progressiva, ou estacionária? Num e noutro caso, a que grau chegara ao tomar o
corpo? Admitindo, de acordo com a crença vulgar, que a alma nasce com o corpo,
ou, o que vem a ser o mesmo, que, antes de encarnar, só dispõe de faculdades
negativas, perguntamos:
1.
Por
que mostra a alma aptidões tão diversas e independentes das ideias que a
educação lhe fez adquirir?
2.
Donde
vem a aptidão extranormal que muitas crianças em tenra idade revelam, para esta
ou aquela arte, para esta ou aquela ciência, enquanto outras se conservam
inferiores ou medíocres durante a vida toda?
3.
Donde,
em uns, as ideias inatas ou intuitivas, que noutros não existem?
4.
Donde,
em certas crianças, o instinto precoce que revelam para os vícios ou para as
virtudes, os sentimentos inatos de dignidade ou de baixeza, contrastando com o
meio em que elas nasceram?
5.
Por
que, abstraindo-se da educação, uns homens são mais adiantados do que outros?
6.
Por
que há selvagens e homens civilizados? Se tomardes de um menino hotentote
recém-nascido e o educardes nos nossos melhores liceus, fareis dele algum dia
um Laplace ou um Newton?
Qual
a filosofia ou a teosofia capaz de resolver estes problemas? É fora de dúvida
que, ou as almas são iguais ao nascerem, ou são desiguais. Se são iguais, por
que, entre elas, tão grande diversidade de aptidões? Dir-se-á que isso depende
do organismo. Mas, então, achamo-nos em presença da mais monstruosa e imoral
das doutrinas. O homem seria simples máquina, joguete da matéria; deixaria de
ter a responsabilidade de seus atos, pois que poderia atribuir tudo às suas
imperfeições físicas. Se as almas são desiguais, é que Deus as criou assim.
Nesse caso, porém, por que a inata superioridade concedida a algumas?
Corresponderá essa parcialidade à Justiça de Deus e ao amor que Ele consagra
igualmente a todas as suas criaturas?
Admitamos,
ao contrário, uma série de progressivas existências anteriores para cada alma e
tudo se explica. Ao nascerem, trazem os homens a intuição do que aprenderam
antes. São mais ou menos adiantados, conforme o número de existências que
contêm, conforme já estejam mais ou menos afastados do ponto de partida. Dá-se
aí exatamente o que se observa numa reunião de indivíduos de todas as idades,
onde cada um terá desenvolvimento proporcionado ao número de anos que tenha
vivido. As existências sucessivas serão, para a vida da alma, o que os anos são
para a do corpo. Reuni, em certo dia, um milheiro de indivíduos de um a oitenta
anos; suponde que um véu encubra todos os dias precedentes ao em que os
reunistes e que, em consequência, acreditais que todos nasceram na mesma
ocasião. Perguntareis naturalmente como é que uns são grandes e outros
pequenos; uns velhos e jovens outros; instruídos uns, outros ainda ignorantes.
Se, porém, dissipando-se a nuvem que lhes oculta o passado, vierdes a saber que
todos hão vivido mais ou menos tempo, tudo se vos tornará explicado. Deus, em
sua justiça, não pode ter criado almas mais ou menos perfeitas. Com a
pluralidade das existências, a desigualdade que notamos nada mais apresenta em
oposição à mais rigorosa equidade: é que apenas vemos o presente e não o
passado. A este raciocínio serve de base algum sistema, alguma suposição
gratuita? Não. Partimos de um fato patente, incontestável: a desigualdade das
aptidões e do desenvolvimento intelectual e moral e verificamos que nenhuma das
teorias correntes o explica, ao passo que uma outra teoria [a da pluralidade
das existências] lhe dá explicação simples, natural e lógica. Será racional
preferir-se à teoria que explica tudo a uma das que nada explicam?
À
vista da sexta interrogação acima, dirão naturalmente que o hotentote é de raça
inferior. Perguntaremos, então, se o hotentote é ou não um homem. Se é, por que
a ele e à sua raça privou Deus dos privilégios concedidos à raça caucásica? Se
não é, por que tentar fazê-lo cristão? A Doutrina Espírita tem mais amplitude
do que tudo isto. Segundo ela, não há muitas espécies de homens, há tão somente
homens cujos espíritos estão mais ou menos atrasados, porém todos suscetíveis
de progredir. Não é este princípio mais conforme a Justiça de Deus?
Vimos
de apreciar a alma com relação ao seu passado e ao seu presente. Se a
considerarmos, tendo em vista o seu futuro, esbarraremos nas mesmas
dificuldades.
1.
Se
a nossa existência atual é que, só ela, decidirá da nossa sorte vindoura,
quais, na vida futura, as posições respectivas do selvagem e do homem
civilizado? Estarão no mesmo nível, ou se acharão distanciados um do outro, no
tocante à soma de felicidade eterna que lhes caiba?
2.
O
homem que trabalhou toda a sua vida por melhorar-se, virá a ocupar a mesma
categoria de outro que se conservou em grau inferior de adiantamento, não por
culpa sua, mas porque não teve tempo, nem possibilidade de se tornar melhor?
3.
O
que praticou o mal, por não ter podido instruir-se, será culpado de um estado
de coisas cuja existência em nada dependeu dele?
4.
Trabalha-se
continuamente por esclarecer, moralizar, civilizar os homens. Em contraposição
a um que fica esclarecido, porém, milhões de outros morrem todos os dias antes
que a luz lhes tenha chegado. Qual a sorte destes últimos? Serão tratados como
réprobos? No caso contrário, que fizeram para ocupar categoria idêntica à dos
outros?
5.
Que
sorte aguarda os que morrem na infância, quando ainda não puderam fazer nem o
bem, nem o mal? Se vão para o meio dos eleitos, por que esse favor, sem que
coisa alguma hajam feito para merecê-lo? Em virtude de que privilégio eles se
veem isentos das tribulações da vida?
Haverá
alguma doutrina capaz de resolver esses problemas? Admitam-se as existências
consecutivas e tudo se explicará conforme a Justiça de Deus. O que se não pôde
fazer numa existência faz-se em outra. Assim é que ninguém escapa à lei do
progresso, que cada um será recompensado segundo o seu merecimento real e que
ninguém fica excluído da felicidade suprema, a que todos podem aspirar,
quaisquer que sejam os obstáculos com que topem no caminho.
Essas
questões facilmente se multiplicariam ao infinito, porquanto inúmeros são os
problemas psicológicos e morais que só na pluralidade das existências encontram
solução. Limitamo-nos a formular as de ordem mais geral. Como quer que seja,
alegar-se-á talvez que a Igreja não admite a doutrina da reencarnação; que ela
subverteria a religião. Não temos o intuito de tratar dessa questão neste
momento. Basta-nos o havermos demonstrado que aquela doutrina é eminentemente
moral e racional. Ora, o que é moral e racional não pode estar em oposição a
uma religião que proclama ser Deus a bondade e a razão por excelência. Que
teria sido da religião, se, contra a opinião universal e o testemunho da
ciência, se houvesse obstinadamente recusado a render-se à evidência e
expulsado de seu seio todos os que não acreditassem no movimento do Sol ou nos
seis dias da Criação? Que crédito houvera merecido e que autoridade teria tido,
entre povos cultos, uma religião fundada em erros manifestos e que os impusesse
como artigos de fé? Logo que a evidência se patenteou, a Igreja,
criteriosamente, se colocou do lado da evidência. Uma vez provado que certas
coisas existentes seriam impossíveis sem a reencarnação, que, a não ser por
esse meio, não se consegue explicar alguns pontos do dogma, cumpre admiti-lo e
reconhecer meramente aparente o antagonismo entre esta doutrina e a dogmática.
Mais adiante mostraremos que talvez seja muito menor do que se pensa a
distância que, da doutrina das vidas sucessivas, separa a religião e que a esta
não faria aquela doutrina maior mal do que lhe fizeram as descobertas do
movimento da Terra e dos períodos geológicos, as quais, à primeira vista,
pareceram desmentir os textos sagrados. Ademais, o princípio da reencarnação
ressalta de muitas passagens das Escrituras, achando-se especialmente
formulado, de modo explícito, no Evangelho:
Quando
desciam da montanha (depois da transfiguração), Jesus lhes fez esta
recomendação: Não faleis a ninguém do que acabastes de ver, até que o Filho do
homem tenha ressuscitado dentre os mortos. Perguntaram-lhe então seus
discípulos: — Por que dizem os escribas ser preciso que primeiro venha Elias? —
Respondeu-lhes Jesus: — É certo que Elias há de vir e que restabelecerá todas
as coisas, mas eu vos declaro que Elias já veio, e eles não o conheceram e o
fizeram sofrer como entenderam. Do mesmo modo darão a morte ao Filho do homem.
— Compreenderam então seus discípulos que era de João Batista que Ele lhes
falava. (Mateus, 17:9 a 13.)
Pois
que João Batista fora Elias, houve reencarnação do Espírito ou da alma de Elias
no corpo de João Batista.
Em
suma, como quer que opinemos acerca da reencarnação, quer a aceitemos, quer
não, isso não constituirá motivo para que deixemos de sofrê-la, desde que ela
exista, malgrado todas as crenças em contrário. O essencial está em que o
ensino dos Espíritos é eminentemente cristão; apoia-se na imortalidade da alma,
nas penas e recompensas futuras, na Justiça de Deus, no livre-arbítrio do
homem, na moral do Cristo. Logo, não é antirreligioso.
Temos
raciocinado, abstraindo, como dissemos, de qualquer ensinamento espírita que,
para certas pessoas, carece de autoridade. Não é somente porque veio dos
Espíritos que nós e tantos outros nos fizemos adeptos da pluralidade das
existências. É porque essa Doutrina nos pareceu a mais lógica e porque só ela
resolve questões até então insolúveis.
Ainda
quando fosse da autoria de um simples mortal, tê-la-íamos igualmente adotado e
não houvéramos hesitado um segundo mais em renunciar às ideias que esposávamos.
Sendo demonstrado o erro, muito mais que perder do que ganhar tem o
amor-próprio, com o se obstinar na sustentação de uma ideia falsa. Assim,
também, tê-la-íamos repelido, mesmo que provindo dos Espíritos, se nos parecera
contrária à razão, como repelimos muitas outras, pois sabemos, por experiência,
que não se deve aceitar cegamente tudo o que venha deles, da mesma forma que se
não deve adotar às cegas tudo que proceda dos homens. O melhor título que, ao
nosso ver, recomenda a ideia da reencarnação é o de ser, antes de tudo, lógica.
Outro, no entanto, ela apresenta: o de a confirmarem os fatos, fatos positivos
e, por bem dizer, materiais, que um estudo atento e criterioso revela a quem se
dê ao trabalho de observar com paciência e perseverança e diante dos quais não
há mais lugar para a dúvida. Quando esses fatos se houverem vulgarizado, como
os da formação e do movimento da Terra, forçoso será que todos se rendam à
evidência e os que se lhes colocaram em oposição ver-se-ão constrangidos a
desdizer-se.
Reconheçamos,
portanto, em resumo, que só a doutrina da pluralidade das existências explica o
que, sem ela, se mantém inexplicável; que é altamente consoladora e conforme a
mais rigorosa justiça; que constitui para o homem a âncora de salvação que
Deus, por misericórdia, lhe concedeu.
As
próprias palavras de Jesus não permitem dúvida a tal respeito. Eis o que se lê
no Evangelho de João, 3:3 a 7:
3.
Respondendo a Nicodemos, disse Jesus: – Em verdade, em verdade te digo que, se
um homem não nascer de novo, não poderá ver o Reino de Deus.
4.
Disse-lhe Nicodemos: — Como pode um homem nascer já estando velho? Pode tornar
ao ventre de sua mãe para nascer segunda vez?
5.
Respondeu Jesus: — Em verdade, em verdade te digo que, se um homem não renascer
da água e do Espírito, não poderá entrar no Reino de Deus. O que é nascido da
carne é carne e o que é nascido do Espírito é Espírito. Não te admires de que
Eu te tenha dito: é necessário que torneis a nascer. (Ver, adiante, o parágrafo
“Ressurreição da carne”, questão 1010.)





